Qui, Maio 9, 2024

Senado discute propostas de unificação e desmilitarização das polícias

Consenso em torno da unificação e desmilitarização das polícias parece ainda estar longe de ser alcançado dentro do aparato de segurança brasileiro. Isso ficou evidenciado em debate promovido pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), nesta quinta-feira (26), sobre cinco propostas de emenda à Constituição (PECs 102/2011;  40/2012; e 19, 51 e 73, de 2013) que modificam a estrutura das diversas polícias. A discussão foi conduzida pelo senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), relator da PEC 102/2011.

 
As divergências expostas no debate gravitaram em torno de duas propostas: a construção de um ciclo completo de polícia (a mesma corporação poder acumular atividades de polícia judiciária, investigação criminal, prevenção a delitos e manutenção da ordem pública) e a ampliação da possibilidade de lavratura do Termo Circunstanciado de Ocorrência - TCO (qualquer policial fazer o registro de infrações mais leves, com pena máxima de até dois anos de prisão ou multa). Os debates tangenciaram, ainda, a criação ou não de um Conselho Nacional de Polícia. O presidente da Anaspra, Elisandro Lotin de Souza, participou como representante dos praças das polícias militares e corpos de bombeiros militares estaduais. Ele defendeu uma estruturação das corporações de modo que promova a cidadania para a base da categoria - os praças da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros, com o fim da prisão disciplinar. A instituição do ciclo completo com acesso único e desvinculação do Exército também foi apresentado como proposta da Anaspra. Lotin defendeu ainda a adoção de medidas sistêmicas como a destinação de mais recursos para a área e a melhoria das condições de trabalho dos policiais e bombeiros militares. "Tem policial trabalhando de 300 ou 400 horas por mês, e se recusar a cumprir essa jornada é preso, em flagrante por desobediência. E ainda estamos sob a égide de um regime militar, respondendo ao Código Penal Militar, com regulamentos arcaicos da década de sessenta e setenta, da época da ditadura", esclareceu o presidente da Anaspra aos participantes da audiência pública - que foi transmitida ao vivo pela TV Senado.
 
Ao final do debate, o senador José Medeiros (PPS-MT) reconheceu a controvérsia em torno das propostas de unificação e desmilitarização das polícias. E lamentou que a segurança seja “o patinho feio” na lista de prioridades para recebimento de verbas públicas.
 
Já Randolfe prometeu promover novos debates com setores envolvidos na questão antes de elaborar seu parecer.
 
Agência Senado

 

 

Notas taquigráficas

O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Socialismo e Democracia/REDE - AP) – Ato contínuo, passo a palavra, então, para o Sr. Elisandro Lotin de Souza, Presidente da Associação Nacional de Praças.
O SR. ELISANDRO LOTIN DE SOUZA – Obrigado, Sr. Presidente.
Quero, primeiro, agradecer o convite do Senado Federal, nossas congratulações ao Presidente, Randolfe Rodrigues, extensivo aos Senadores, aos representantes de classe das entidades de policiais e bombeiros militares e também de todos os policiais do Brasil.
Sr. Presidente, antes de falar especificamente sobre o objeto da audiência pública, eu queria fazer um registro da nossa decepção, do nosso repúdio ao veto de que tivemos conhecimento hoje da Presidente do Governo Federal ao Projeto de Lei de Anistia, que foi aprovado por este Senado, foi aprovado pela Câmara, que anistia todos os policiais e bombeiros militares do Brasil, eram 11 Estados, se não me falha a memória. Tivemos a informação hoje, pela manhã, de que a Presidente Dilma vetou o nosso projeto de lei.
Esse projeto de lei, que, enfim, passou por todas as comissões da Casa, anistiava policiais e bombeiros militares que lutavam por salário, por respeito, por dignidade, por condições de trabalho. A despeito de terem feito, nos seus Estados, debates com os governadores, com as autoridades políticas, com todas as autoridades, levando esta questão da necessidade de se respeitar o profissional de segurança pública, para que ele tenha condições de trabalho, para que ele tenha salário justo, para que ele tenha dignidade, lamentavelmente as autoridades políticas estaduais não compreenderam, o que acabou gerando manifestações e mobilizações que, por sua vez, redundaram em punições, inclusive prisões. Então, policiais e bombeiros militares estavam sendo presos, e foram presos, porque reivindicaram condições de trabalho, porque reivindicaram salário. Somos a única categoria subcidadã no Brasil. A nós não são dados os direitos garantidos na Constituição da República Federativa do Brasil. Policial e bombeiro militares ainda são subcidadãos.
O que mais me entristece, Sr. Presidente – e aí eu evito fazer um debate político-partidário, mas inevitavelmente eu tenho que fazê-lo numa situação dessas –, é que esse veto veio de um Governo Federal que, na sua gênese, ensinou aos trabalhadores do Brasil a se manifestar. Esse veto veio de um Governo Federal que nos ensinou a fazer mobilização, que, no passado, inclusive, incentivou mobilização. Especificamente no caso da Bahia, em 2001, o atual Ministro da Casa Civil ajudou na mobilização da Bahia que foi feita em 2001; em 2012, quando ele era o governador, ele repeliu o mesmo movimento que ele ajudou a fazer.
O desrespeito para com os praças para com os praças da Polícia e do Bombeiro Militar, que são 75% dos trabalhadores da segurança pública, precisa acabar nesse País.
É preciso que nos tratem como profissionais, trabalhadores e cidadãos. Enquanto as autoridades não fizerem isso e, independentemente de questões político-partidárias, discutir qualquer tipo de mudança na segurança pública é utopia, porque, com todo respeito às outras categorias que estão aqui, quem está na ponta, lá na rua, atendendo à ocorrência todo dia, 24 horas por dia, é o cabo, é o soldado, é o sargento e é o subtenente. Quem tem que enfrentar a marginalidade de peito aberto, todos os dias, e tem que decidir pela sua vida e pela vida de um cidadão em três, quatro, segundos, é uma praça da Polícia ou do Bombeiro Militar. E, lamentavelmente, desde 1988, não se respeita a nossa categoria, aliás, se humilha e se utiliza dessa categoria, dos votos dessa categoria, para se eleger e, depois que se elege, simplesmente esquece, ignora inclusive legislações.
Portanto, qualquer mudança a ser discutida aqui, qualquer mudança a ser discutida na questão da segurança pública passa, inevitavelmente, pelo respeito ao praça da Polícia e do Bombeiro Militar, que, repito, são 75% dos trabalhadores da segurança pública. De nada adianta, e tenho a preocupação – entrando no debate agora, só para registrar o nosso repúdio ao veto –, termos inúmeras PECs, inúmeros projetos de lei, se continua se tratando um praça da Polícia e do Bombeiro Militar como um subcidadão, como um acéfalo. Nós que estamos na ponta, que temos que enfrentar de peito aberto a criminalidade, a marginalidade, sem nenhum demérito a outra categoria em absoluto, e quero crer que os senhores entendem o que estou falando.
Sr. Presidente, me preocupa muito uma lógica em que, quando querem mudar tudo, não se muda nada, me preocupa muito isso. Estava contando aqui só de PEC temos umas quatro, cinco; se falarmos em projetos de lei, deve ter mais um monte, não consigo nem mensurar o número. E me preocupa muito essa quantidade de debate feito quando, na prática, efetivamente, não encaminhamos absolutamente nada. Deve ser a décima audiência pública no último ano; se formos analisar nos últimos dez, doze anos, perdi a conta de quantos debates vim para tratar sobre segurança pública. Enquanto isso, enquanto debatemos, discutimos, cada qual defendendo o seu interesse – o que é um erro, porque é preciso crescer nisso também em todas as categorias, de pensar a segurança pública na ponta, para a sociedade, que é ela que nos paga –, temos 58 mil mortes; enquanto isso, há policiais e bombeiros sendo assassinados todos os dias – e, especificamente, permitam-me de novo, com todo respeito às outras categorias, mas tratando da minha –; no Rio de Janeiro, no Brasil todo, são 400, 500 mortes de policiais por ano. Não temos colete, o equipamento é velho, salário... Estamos discutindo todo um debate macro. Há lugar no Brasil em que o salário de soldado da PM é R$1 mil. Como vai discutir segurança pública, com qualquer tipo de mudança, se não discutir a base?
Não estou dizendo que não devam ser discutidas as outras coisas, é óbvio que têm, mas há prioridades. Há policial preso porque ousou questionar o comandante. É uma coisa absurda, por exemplo, o policial militar ser preso porque estava sem o chapéu na cabeça. Mas ele pega um cidadão, um traficante, com o dez, 15, 20 gramas de cocaína, responde um TC, dependendo, e o cara está solto; e o policial, preso, porque estava sem o boné na cabeça.
Como é que vai se falar em direitos humanos para a Polícia Militar, pelo amor de Deus? Que utopia é essa? Quando nem jornada de trabalho temos. Há policiais trabalhando 300, 400, horas por mês, e, se não trabalhar, se recusar, em preso em flagrante por desobediência, porque ainda estamos sob a égide do regime militar, respondendo ao Código Penal Militar, a regulamentos arcaicos da década de 60, 70, da época da ditadura, em que academias de polícia infelizmente ainda torturam fisicamente policiais militares na formação e tenho exemplos claros disso. Já mudou, está mudando, mas é muito lentamente ainda. Santa Catarina, que é um Estado que se falou que tem evoluído, mas ainda se perpetua isso.
Então, a discussão do ciclo completo, da carreira única e de outras coisas é necessária, sim, faz parte, mas é preciso também discutir um pouco a base, e, se não houver respeito aos 75% dos trabalhadores de segurança pública do Brasil, policiais e bombeiros militares, é utopia qualquer outro tipo de coisa. E me perdoem, inclusive, o desabafo. Não esperava esse veto a essa legislação de anistia. Não esperava. Fui pego de surpresa, inclusive, até porque trabalhamos muito para isso, e a própria Presidente Dilma foi a pessoa que assinou a primeira Lei de Anistia, em 2010, contra alguns membros do Governo Federal.
Todas as PECs que estão aqui trazem situações de mudança pontuais na questão de segurança pública. Agora, há questões que são muito mais pragmáticas e necessárias para uma mudança efetiva.
A questão do ciclo completo que a Anaspra defende...
(Soa a campainha.)
O SR. ELISANDRO LOTIN DE SOUZA – ...perpassa necessariamente pela carreira única, perpassa necessariamente por jornada de trabalho. É inadmissível ter trabalhador de segurança pública, hoje, com 300, 400 horas por mês sem receber hora extra. Ela perpassa pela desvinculação do Exército para que tenhamos numa polícia cidadã efetiva e não só no nome, porque não adianta falar em polícia cidadã, se, lá na base, ainda existe tudo aquilo que eu falei.
Defendemos, sim, a carreira única; defendemos o ingresso único; defendemos a desvinculação das polícias militares de bombeiros e militares do Exército, e o ciclo completo. Mas defendemos também que se faça, junto a este debate, um debate para nós, hoje, mais necessário, mais urgente, que é o de respeitar o praça da Polícia e do Bombeiro Militar, como trabalhador, como cidadão, e como ser humano. Se nada for feito nessa questão, qualquer outro debate é utópico e ilógico, inclusive. Não adianta dizer para nós, policiais e bombeiros militares do Brasil: respeitem os direitos humanos, se ainda continuam humilhando e vilipendiando os trabalhadores em seus direitos mais básicos, que são garantidos a qualquer trabalhador do Brasil, como, por exemplo, jornada de trabalho e respeito a todos os outros direitos inerentes a qualquer trabalhador.
Agradeço, Sr. Presidente, pelo espaço e nos colocamos à disposição para o debate, que, com certeza, faremos de forma muito mais franca, muito mais aberta, criticando a quem for e elogiando quando necessário.
Muito obrigado.

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